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Texto: Sandrah Guimarães

O primeiro levantamento desse tipo feito no estado é realizado em três frentes: na água, em
sedimentos e em aves marinhas

Coleta de microplástico no Complexo Estuariano de Paranaguá com a Rede MANTA. Foto: Gabriel Marchi

“O Programa de Recuperação da Biodiversidade Marinha (REBIMAR) inova ao atuar em três frentes para avaliar os níveis de poluição por microplásticos (itens menores que 5mm), no litoral do Paraná. As análises são feitas na água, nos sedimentos e nos animais encontrados nas praias, especialmente em aves costeiras. O estudo é realizado no Complexo Estuarino de Paranaguá, desde a Baía de Antonina, passando pelas Baías de Paranaguá, das Laranjeiras e de Guaraqueçaba até a desembocadura do Canal da Galheta, ao lado da Ilha do Mel.

Allan Krelling é oceanógrafo e professor do Instituto Federal do Paraná (IFPR) e coordena o grupo de pesquisa voltado ao manejo e à conservação do litoral focado no lixo do mar, que tem também pesquisadores do Centro de Estudos do Mar, da Universidade Federal do Paraná (CEM – UFPR) e da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR). Dentro do REBIMAR, a equipe desenvolveu novas técnicas de coleta de amostras. Até uma nova rede foi criada para essas atividades e batizada de NOIVA (Novo objeto de Investigação Ambiental).

“É um material de baixo custo e que poderá ser usado em outros projetos no futuro. O equipamento é uma rede pequena, com uma boca de 50 cm e ‘asas’ ao lado, feitas de canos. Tudo que é retido na malha é levado ao laboratório para análise”, explica Allan Krelling.

Estudantes do ensino médio técnico do IFPR participam das atividades de pesquisa, que é o primeiro levantamento feito na água do Complexo Estuarino de Paranaguá. “Constatamos que, mesmo com muitas unidades de conservação no entorno, os fragmentos de microplástico são uma presença constante. Quem navega pela região, provavelmente já viu na linha da água uma espécie de espuma fina. Ali encontramos grandes acúmulos”, acrescenta o pesquisador.

Para a oceanógrafa e vice-coordenadora da pesquisa, Fernanda Possatto, os resultados são preocupantes: “Encontramos microplástico em regiões próximas à cidade de Paranaguá e também em áreas de preservação ambiental como Guaraqueçaba. Grande parte dos resíduos fica na superfície da água, logo, a dispersão dos mesmos pode ser influenciada por diversos fatores como as variações de marés e a dinâmica das correntes de um modo geral”, afirma.

A pesquisadora destaca que, nessas plumas ou espumas na água, é possível detectar até a olho nu a presença desses plásticos. “Naturalmente essas plumas concentram uma quantidade maior de matéria orgânica e pequenos organismos, que são atraídos pela disponibilidade de alimento, no entanto, nesses locais também se observa um maior acúmulo de microplásticos que poderão ser ingeridos tanto por pequenos animais quanto por peixes, aves, tartarugas e mamíferos marinhos”.

Algumas técnicas identificam o que é plástico ou não. O primeiro passo é uma separação física, fazendo flutuar as partículas menos densas, como alguns plásticos, por exemplo. Depois filtra-se tudo e o que é maior do que 1 mm é retido. A análise é visual, observando cor, formato e dimensão. A seguir, o material passa por uma análise química detalhada do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), definindo com precisão qual é o material, se trata-se de PET, polipropileno, polietileno ou outro material. “Isso permite dimensionar a quantidade de microplástico que pode ser encontrado por quilômetro quadrado nas águas. Esse dado é muito importante”, reforça Allan.

Diversas espécies ameaçadas de extinção vivem ou frequentam esse trecho do litoral e estão convivendo com microplásticos em seu habitat. Os animais avaliados chegaram às praias bastante debilitados  e morreram  ou já chegaram sem vida à areia. Para a pesquisa com as aves, são usados os dados públicos do Sistema de Informações do Monitoramento da Biota Aquática (Simba) coletados pelos Projeto de Monitoramento de Praias (PMP), atividade desenvolvida para o atendimento de condicionante do licenciamento ambiental federal junto ao IBAMA, das atividades da Petrobras de produção e escoamento de petróleo e gás natural na Bacia de Santos. Essas informações passam agora a ser analisadas cientificamente pela equipe do REBIMAR que busca padrões nessas mortes, a partir dos dados científicos e laudos das necropsias.

A outra parte da pesquisa avalia a presença do microplástico no sedimento, nos mesmos pontos da coleta aquática, para verificar quanto tem de material acumulado. Até o momento, foram realizadas 7 saídas de campo, com coleta de 298 amostras de água e 298 amostras de sedimentos. Todo o trabalho do REBIMAR tem o patrocínio da Petrobras e do Governo Federal.

Durante as primeiras triagens e pelas fotografias dos itens, foi possível identificar uma grande variedade de cores, tamanhos e formas dos microplásticos coletados. Inclusive, algumas imagens reforçam a preocupação com a degradação desses resíduos em um curto período de tempo, se tornando os chamados nanoplásticos.


“Isso é resultado de ações mecânicas como das ondas e a exposição de raios solares que fazem com que os plásticos maiores se degradem, se tornando cada vez menores e mais acessíveis à ingestão por organismos marinhos”, acrescenta a pesquisadora do REBIMAR. “Encontra-se microplástico não só em aves, tartarugas e mamíferos, mas também em organismos filtradores, como ostras e mariscos. Existem estudos que comprovam a presença de plástico no organismo humano, pois ingerimos peixe e outros animais que estão contaminados”, completa Possatto.


Impacto nas aves


Três espécies de aves foram necropsiadas: atobás (Sula leucogaster), gaivotas (Larus dominicanus) e fragatas (Fregata magnificens). Das 153 amostras de aves analisadas, um total de 11,4% apresentou presença de resíduo sólido de origem humana. “Mesmo que encontrássemos poucos indivíduos já seria preocupante. Mas já confirmamos uma quantidade bem relevante de animais ingerindo plástico”, avalia Fernanda Possatto.

As fragatas apresentaram os piores índices: 20% de ocorrência de resíduos sólidos no trato gastrointestinal; os atobás registraram 13,3%; e as gaivotas, 6,7%. O trabalho do REBIMAR é inédito e vai contribuir com dados relevantes que possam embasar políticas públicas e ações de educação ambiental. “A ideia é falar sobre a coexistência e ter um mapeamento para entender no futuro o impacto dos resíduos humanos sobre indivíduos da fauna”, conclui Allan Paul Krelling.